Esses cabelos brancos...
e as pessoas que amam um palpite não solicitado.
Tem uns meses que decidi parar de pintar os cabelos. Foi acontecendo naturalmente: passou um mês, dois, nada de vontade de pintar, e eu também tive uma das crises de queda capilar que eventualmente ocorrem quando o nível de estresse ultrapassa o limite que estou acostumada a suportar, o que era mais uma razão para não fazê-lo. Cortei então um bom palmo de cabelo e segui a vida. O cabelo seguiu branqueando, e eu fui gostando. Gostando da minha imagem no espelho, me sentindo bonita, poderosa, tendo vislumbres de uma coisa meio Cruella Deville (que, inclusive, é um dos meus objetivos quando os brancos aumentarem, deixar metade preto, metade branco, uma coisa bem impactante, a meu ver. E bem bruxona, do jeito que eu gosto, incorporando o terceiro aspecto da deusa tríplice.



Mas aí vem aquela instituição que Satanás inventou para nos atormentar, a nós mulheres: a opinião não solicitada dos outros. Muita gente, homens e mulheres. Uns com surpresa, como se eles tivessem brotado na minha cabeça de repente (geralmente homens): “puxa, como você já tem cabelo branco, né? “Faz tempo meu filho, você não via porque eu tava pintando” é a resposta às vezes impaciente ou em tom bem humorado, dependendo do dia. Tem as mulheres que ainda pintam, ou que são bem mais velhas, que perguntam se eu vou deixar sem pintar, e diante da resposta positiva dizem que ainda “não têm coragem”, que eu estou bonita, mas que nelas não ficaria bem.
Tem os comentários bons de ouvir, como o do ficante que diz: “você está tão linda com esse cabelo branco!” tem as mulheres da minha faixa etária (40 ou mais) que também já estão deixando os cabelos grisalhos e elogiam (essas são maravilhosas, porque sabem da importância de nos ampararmos umas às outras).


Mas o inferno tem círculos, como já dizia Dante Alighieri. E o mais profundo deles é aquele das pessoas que olham pra você com um olhar entre desconfiança e pena, e que, não contentes em deixar isso evidente, questionam seu gosto pela vida, seu autocuidado, sua esperança no futuro a partir do simples ato de não querer pintar os cabelos. “sei não, hein? Tô achando que você não tá querendo se cuidar”, ouvi de uma querida que conheço, que sei que não teve a intenção de me magoar nem nada, é porque ela realmente acredita nisso. Ai lá vou ter que militar pelo direito de ter cabelos brancos sem que isso seja associado a não se cuidar, porque nenhum homem ouve esse tipo de coisa. Aliás, se existe um consenso universal é que um homem grisalho é algo charmoso e interessante, se não para todas, para grande parte das mulheres, e dos homens. Será que George Clooney, um ícone do cinema, alguma vez ouviu “George, homi, pelo amor de Deus, pinta esse cabelo, você não quer se cuidar mais não? Vai ficar feio, hein?”



E sempre pode ficar pior. Minha querida mãezinha, certo dia, olha pra mim e diz que quando ela parou de pintar o cabelo já tinha mais de 50 anos e já não esperava mais nada da vida, e que eu estava muito nova para “me entregar desse jeito”. Olha só, a joinha querendo testar se minha terapia tá em dia mesmo. Eu ri enquanto ela falava, e disse que não tinha absolutamente nada a ver com desistir de alguma coisa, e que ela não pensaria isso de um homem. Que eu estava achando meu cabelo lindo. E que ela não se preocupasse comigo, pois estava tudo certo.
Minha mãe nasceu em 1959, o mundo era outro, e eu dou esse desconto. A outra querida que me questionou tem 45 anos, mas quase nenhum cabelo branco, pela herança familiar. Mas eu sei que, independentemente de idade, as pessoas estranham. Não deveria se tratar de coragem algo como deixar de pintar o cabelo. Quando penso em coragem, penso em subir num teleférico, saltar de para quedas, descer cachoeira de rapel...deixar de pintar os cabelos deveria ser algo corriqueiro na vida, tanto quanto mudar a cor do esmalte (coisa que eu faço muito de acordo com meu humor no dia). Também não deveria ser visto como um símbolo de que eu desisti de algo, isso é muito sério! Como dizer que eu “não querer me cuidar” pode ter algo a ver com colocar uma tinta no meu cabelo ou não? Então não importa que eu me exercite, que eu saia com minhas amigas, que eu leia, que eu sorria? Isso não é cuidado? Novamente, faço o exercício de imaginar um homem recebendo todos os questionamentos acima. E não consigo ver isso acontecendo.






É claro que eu não sou esse poço de segurança a toda hora. Recentemente comecei a ser chamada de senhora, ainda que de forma eventual, especialmente em espaços onde há pessoas muito mais novas do que eu, ou que assim aparentam, como na academia (outro dia eu falo desse espaço tão peculiar). Sinto uma vontade de responder de maneira ríspida quase sempre, o que também sinaliza pra mim que há um incômodo em ser colocada nesse lugar. Dá uma espécie de susto, quase a Adênia Chloe gritando “mas eu sou jovem, eu gosto de k-pop, de BTS”, que história é essa de senhora?


Muitas vezes, eu me pego querendo pintar o cabelo de novo. E talvez eu pinte, porque afinal o ser humano é mutável, e do mesmo jeito que eu pinto a unha ora de preto, ora de rosa, ora de vermelho, meu estado de espírito pode voltar a querer ele pretinho novamente. Não acho que isso seja um problema. Mas, mais uma vez, a sociedade segue querendo dizer para nós, mulheres, o que é aceitável ou não, querendo nos pressionar a seguir um padrão a fim de seguirmos na prateleira como elegíveis, não importa se às custas da nossa saúde mental. Algumas vezes eu reconheço que cedo, porque a gente precisa escolher nossas batalhas e não dá pra remar contra a maré o tempo todo. Mas eu espero que cada vez mais esse tipo de questionamento deixe de existir, que minha filha não precise ouvi-lo. Porque eu, com cabelos pretos, brancos, vermelhos, roxos, pretendo viver muito, pretendo viver bem, ser muito feliz e incomodar muita gente ainda. E sugiro que você faça o mesmo.

Amei o texto, amei que ri e refleti em vários momentos <3
Amo meus cabelos brancos, e mesmo amando já pintei de preto depois de vermelho depois de preto de novo e vermelho de novo hahaha porque, sim, cabelo cresce e a gente pode brincar com ele. E que BOM ter cabelo branco, sabe, quer dizer que não morri jovem. Você é maravilhosa de qualquer jeito, então divirta-se com suas mechas. Te amo .